A casa com cara de abandonada estava com o quintal coberto por folhas e o interior coberto por teias de aranha. Por dentro, era escura e tão antiga quanto o exterior demonstrava. Alguns lustres, papel de parede gasto, janelas trincadas, piso e móveis de madeira. O dono, uma pessoa com ansiedade, começou a sofrer de terror noturno e acreditava que o local ajudava a piorar o quadro.
O processo de projeto iniciou com o psicanalista do Arquitetura do Imaginário. O proprietário da casa, deitado no divã, começava quase sempre ouvindo o mesmo:
“Feche os olhos e imagine um céu azul coberto por nuvens. Você sabe que as nuvens são seus pensamentos. Você imagina que as nuvens começam a se dissipar, limpando o céu. Conforme faz isso, você limpa sua mente e os pensamentos vão se dissipando. Agora você está em um gramado, de frente para uma escada de pedra no chão, que desce para o subsolo. Você começa a descer os dregraus contando até o 21 e a cada número, a cada degrau, seu corpo fica mais pesado e mais você vai adentrando no seu subconsciente. Um, dois, três..” “…Então você desce o último degrau e, na penumbra, consegue ver uma porta. Você segura a maçaneta e sente o metal frio. Sente a polidez no arredondamento das bordas e o peso da maçaneta. Você gira e empurra. A luz entra e você está em uma sala iluminada. A sala de controle da sua mente.”
As sessões de hipnose descobriram traumas de infância relacionados à família e que eram amplificados pela casa, que passava um ar fantasmagórico. O espaço parecia convidativo para memórias sombrias que se transformavam em medo. Esse medo era projetado nos sonhos como uma figura feminina que em diversos pesadelos se posicionava atrás do morador, movimentando a mão em direção à sua cabeça, na tentativa de controlar seu mental. Eram suas memórias de infância e seus algozes tentando controlá-lo.
“Imagine essa mulher. Você está em um ambiente controlado, então não precisa ter medo. Visualize bem como ela é. Dessa vez, você não vai ter medo. Você vai encara-la sem reagir. Ela se assusta com a sua tranquilidade e confiança. Ela está apavorada por não estar tendo efeito sobre você. Você a segura pelos pulsos, fecha os olhos e imagina uma luz branca irradiando dentro do seu peito. Ela vai aumentando exponencialmente, saindo de você, emanando luz para o entorno. A figura grita enquanto desaparece e todo ambiente sinistro à volta de dissolve. O cenário antes escuro amanhece. Sons de pássaros e sinos de vento.”
O morador percebeu que a sessão de psicanálise à volta da casa, conforme trabalhava coisas profundas que se refletiam na relação com a casa, modificava também sua relação com o mundo. Sentiu mais confiança em suas relações pessoais, se abriu para experiências de mais adrenalina, passou a dormir melhor e ser mais proativo. Na última sessão, chegou ao seu auge. Ele se preparou para caçar. Ao entrar no estado de hipnose, imaginou a rua onde morava. Estava de noite e conseguia ver, em frente á sua casa, mais ao final da rua, a figura feminina dos seus pesadelos. Ela correu para dentro da casa. Ele colocou no rosto a mascara que segurava na mão e correu atrás dela. Era ele que à assustava até o amanhecer. Então a casa, exorcizada de seus demônios, começou a tomar outra forma.
Ao final desta sessão, o cliente pôde descrever para o arquiteto o espaço que imaginou após derrotar seus medos. O elemento mais nítido era a luz do sol entrando, como se estivesse expurgando as sombras do local. Tocando com calor todas as superfícies do interior, inclusive a pele. O espaço antes parecia pequeno e ficou amplo. Foi seguindo o imaginário do habitante que o projeto abriu rasgos nas paredes e pensou as demais intervenções.

O teto da sala foi aberto até o último andar e, na cobertura, foi colocado vidro. Diversas portas que antes escondiam salas vazias agora se abrem para espaços de diferentes usos. Um quarto com instalações que pendem do teto, outro com projeções e um outro cheio de plantas de todos os tipos. Uma sala vazia onde passou a praticar meditação e artes marciais. Uma biblioteca cheia de estantes de madeira e com grandes esquadrias de vidro que dão para o paisagismo do jardim lateral. Esse espaço que mistura a escala do antigo, com o pé direito bem alto e grandes ripas de madeira no piso, se mistura à um ar moderno, com a esquadria metálica preta e as paredes todas brancas, passou a ser usado como home office.. O mistério na casa passou a ser um elemento sedutor.

Ele manteve apenas o sótão como era, escuro e sombrio. Decidiu guardar ali suas sombras, onde as visita constantemente, sem prejudicar as demais áreas da casa e sem afetar outras áreas de sua vida. Deixou ali fotos e pertences dos antepassados, que passou a cultuar em samhain. Precisa passar pelo sótão para chegar à intervenção feita na varanda deste; uma escada de marinheiro fixada na parede da fachada. Essa escada leva à cobertura, onde tem uma vista ampla do céu. “Quando chego ao terraço, tenho a sensação de que se abrisse a boca e puxasse o ar, engoliria a noite.”
O primeiro passo foi entender o imaginário por traz do habitar. A relação com a casa se relacionava com medos. Essa relação foi levada para a linguagem do imaginário para ser trabalhada, assim como levamos um fenômeno, como um objeto caindo, para a linguagem da matemática. Transformando o fenômeno em números, podemos analisá-lo e intervir. No nosso caso, a operação foi feita a partir da linguagem do imaginário. A partir da representação desses medos, que acontecia nos sonhos através da figura feminina, aconteceu uma transformação na construção do imaginário. A arquitetura da casa acompanhou esses movimentos como uma representação desse embate. Conforme o sonhador atacava no imaginário seu algoz, janelas se abriam na casa e o sol atacava a escuridão. Flores se espalharam pelo brise criado na fachada ao mesmo passo que sua coragem invadiu seu interior.
Magia é a capacidade humana de criar linguagens para entender e transformar a matéria em conjunto com o espiritual. Arquitetura é uma das suas muitas linguagens.